A Fabulosa Espera de Anne Marie

Variações aleatórias entre o muito bom e o muito mau... mutações emocionais constantes... o paradoxo da normalidade

dimanche, juillet 16, 2006

Cenário futurista

- Diz-me, avô... conta-me um pouca da história dos meus pais. Fala-me daquele dia!
- Não, meu filho! Não quero. Apenas desejo esquecer esse terrível pesadelo...
- Mas, avô... eu não devo saber como foi tudo aquilo? Afinal, nesse dia perdi os meus pais!
- Eu sei... - os olhos negros inundaram-se de lágrimas - Eles eram fantásticos! Trabalhadores, organizados... tu nasceste fruto de um grande amor...
A vida corria-nos tão bem! Vivíamos em harmonia. Nada podia adivinhar aquele malogrado desfecho... mas... olha, filho... como brevemente serei eu a partir (cof, cof), vou-te contar a história toda. Espero que tenhas maturidade para aceitar a verdade...
- Sim, avô. Estou preparado.
O avô coçou as antenas:
- Os dias de Julho naquele ano eram quentes e melosos. Vivíamos num palácio de uma única Humana. Até aí tudo decorrera em paz. Tomávamos conta do palácio enquanto Ela dormia e não deixávamos estragos... no entanto, numa dessas manhãs tão quentes que quase derretiam a água, Ela acordou inesperadamente cedo... na noite anterior tinha-se esquecido de uma coca-cola junto à bancada da cozinha... que atraíu muito mais visitas para além da nossa cuidadosa família. Vieram vizinhos e turistas de todo o mundo. Loucos, embeberam-se nesse líquido doce e gasoso e depressa a cozinha se transformou numa imensa auto-estrada de carreiros de formigas desvairadas.
O teu pai ainda tentou impedir a catástrofe, mas foi impossível. Sabes como funcionam as multidões, irracionais... (cof, cof)...
De qualquer modo, o cenário de terror estava montado. Bastaram velozes minutos de extermínio. Lembro-me que, a princípio, Ela apenas usou água para nos afogar. Contudo, observando os exércitos resistentes, recorreu à guerra química...
- Biokill?!!! - F. Júnior tremia de pavor.
- Sim (cof, cof)... a tua mãe colocou-se à frente do nosso buraco de refúgio e levou com todo aquele spray pernicioso para me salvar a mim, já um velho nessa altura... e para te salvar também a ti, meu querido neto! ... a tua mãe morreu em asfixia lenta... e eu (cof, cof)...
- A mãezinha foi uma heroína!
- Sim... o teu pai também. Empoleirou-se na torneira do lava-loiças e fintou a Humana para dar tempo à tua mãe de fugir pelo buraco... mas, exausto após vários segundos de grande intensidade dramática, foi esmigalhado por Ela. A tua mãe assistiu a tudo.
F. Júnior chorava:
- É horrível, avô! Essa Humana tem de ser castigada!
- Não, Júnior! Os teus pais morreram porque nós, comunidade das formigas, perdemos o controlo e invadimos a cozinha Humana. Nada disto teria acontecido se as formigas não fossem gananciosas... Não podes fazer nada!
- Mas, avô! Vou picá-la à noite... Vais ver!
- Não! Não é por picá-la que regressam os teus pais ... ou as 7.855 formigas que perderam a vida nessa manhã. Apenas podemos aprender quão éfemera é a nossa existência. Basta uma Humana acordar inesperadamente mais cedo para nós deixarmos de ser...
- É... é... é desconcertante, avô!
- Sim... agora que te contei tudo (cof, cof)... aconselhava-te a partir. O quintal da D. Dolores é imenso e aí podes ser feliz. Vai, eu fico bem!
- Não te vou abandonar, avô. Ficarei contigo até à próxima lata de coca-cola esquecida...
- Oh, meu querido, meu pobre louco!
(to be continued)

2 commentaires:

  • À 05:10 , Anonymous Anonyme a dit...

    Genial Sis

     
  • À 11:06 , Blogger lovely a dit...

    Do melhor... mas foi um risco ler isto durante o horário de trabalho... o chefe pode pensar que estou a gostar de trabalhar e dar-me mais papelada...

     

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